segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Berenice

Berenice não podia juntar-se aos meninos. Não podia ter seus cabelos ao vento, sujar seu vestido de babados, nem sentir seus pés descalços na terra. Não podia respirar fora das regras de etiqueta. 
Muito menos, falar o que pensava. 
Simplesmente não podia. 
Berenice era vetada de ser sua profundeza. Nem podia ser suas vísceras. Era só porcelana.


quarta-feira, outubro 07, 2015

Tales e ela

Tales era menino mirrado, mijado pela mãe e cagado pelo pai. Vivia pela rua tipo bicho, correndo de um lado pro outro. Num dia almoçava na casa da avó, noutro pernoitava ao lado da tia. Olhava os outros com olhos esbugalhados, sorriso amarelo e uma barriga cheia de fome.
De manhã, devorava pão com manteiga, um copo de leite e se vestia com a roupa que tinha. Só encontrava sossego no colégio. Entrava na sala voando. Sentava na última fileira, quase agarrado pela parede. Imóvel permanecia até a chegada dela. Quando apontava na porta, era um desnorteio só... Ela com aquele ar suave que mudava a expressão desorientada daquele guri e enchia de brilho aqueles olhos estralados.
Tales prestava atenção em todos aqueles movimentos. Percorria com o pescoço os vai e vens pela sala e se perdia naquele balanço. Para ele, era o embalo mais bonito que já tinha observado.
Atento, se desprendia de conversas e do auê dos colegas. Se comprometia a copiar o roteiro escrito no quadro e terminar o mais ligeiro possível seus deveres. Quando terminava, eis que surgia a hora mais eufórica do dia. 
O tal instante em que ele atravessava toda a classe e chegava perto da alongada, rodada e azul, saia da professora. O menino suava frio por entre os dedos, prendia o caderno contra o peito, como quem transportasse um tesouro e sofria por aproximação. Seu tema pronto era a desculpa para poder contemplar a beleza daquela saia delineada pela cadeira. A correção pouco o importava, do sorriso da professora, ele nem lembrava. Tales queria mesmo era morar embaixo da barra daquela saia para sempre... (Ou até quando tocasse o sinal).


quarta-feira, agosto 05, 2015

Circulação


O que mais circula em mim, é você.
E quanto mais você tem dentro de mim, mais eu me sufoco. 
Quanto mais círculos há dentro do meu ser, pior fica meu eu contigo.
Quanto mais voltas você me dá, mais ruim é.
Tantas voltas que você vai me criando nós.
Mas não somos nós.
É um emaranhado de ataduras nos contendo. 
Nos amedrontando. 
Me perdendo, 
Atando e estampando na minha testa que, fora de mim tem mais ação do que você. 

quarta-feira, julho 01, 2015

F(ome).

Tem vez que não é fome;
É ansiedade pra provar.
Nem ansiedade, talvez, vaidade.
Amaciar o ego como se fosse um bife batido. 
Aquecer o corpo como se fosse uma panela.
Por vezes, não é vaidade. É vontade.
Querer ter os resmungos da barriga, mesmo sem ter comido nada.
Evitando as borboletas do estômago que anseiam por um sentimento.
Fome e amor se comparam. Se equivalem. 
Se valem e se bastam. 
Eu como você. 
Como numa brincadeira, troco e engulo letras;
Eu omo!
Como?
Não, eu amo. 
Eu amo você.

quarta-feira, junho 10, 2015

Mentira

Não é só de mentira que se monta uma vida, mas são de inverdades que se forja uma história.
Não seria de todo ruim contar uma mentirinha para fugir de alguma situação, se ela não se abusasse por isso.
Usando da maquiagem para fazer uma máscara colorida e delineada, ela se serviu de uma tamanha ingenuidade para esconder um despudor;
Vestindo amor próprio para não ostentar a insegurança que a segue sempre;
Apenas para continuar exibindo esse falso samaritanismo impregnado ao seu corpo. 
Mal sabe ela que falar com o coração está acima de jurar amor eterno em dias.
Mal sei eu que escutá-la e observar a sua obsessão me explodiria e
Mal sabem os outros que são desacreditados e a admiram.  
Idolatram suas falsas ideias, sua cara deslavada e seus falsos amores.
Fazendo parte dessa história fadada ao insucesso. 

quarta-feira, abril 15, 2015

Bagunçado

Tenho um gosto pela tensão.
Uma simpatia pelo conturbador.
Vou dando vários murros em ponta de faca
e sempre acabo me surpreendendo quando as coisas vão bem. 
Tendo para uma tragédia, 
para uma reclusão e para um conforto meu.
Me pego gostando quando tudo está ruim. 
Meu desejo mais profundo é sempre de terror.
Que a pior sensação me rasgue a carne e me queime a pele.

E eu jamais poderia ter imaginado tanto horror quando me vi parada, sem reação bem na tua frente. Me deparando com aquele teu ar de astúcia cheio de artimanhas que me fizeram endoidar e amar a bagunça na qual me encontrava.


quarta-feira, março 04, 2015

Menos

Te detesto mais do que posso.
Te testo onde não me cabe.
Te odeio mais do que consigo. 
Num devaneio qualquer é tudo ilusório,
Mas queria te jogar pela janela mais próxima.
Te ver lá embaixo, todo esmigalhado. 
Todo desfigurado. 
Pra que assim, eu pudesse me sentir menos pior. 
Menos ruim. 
Pra que eu pudesse, te sentir menos em mim.


quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Chemis(try)

Você me tirou de órbita, me fez sair do meu curso. 
O mundo todo girando em uma frequência lenta e você se movendo rápido demais.
Você estava certo e eu errada. Você era forte e eu fraca.
Você me mostrou que o sentido de amar é reto, direto e cortante.
Nem aquela solidão que tanto aprecio foi pior que você.
Você puxou meu tapete e riu de mim, mas o meu foco continuou sempre o mesmo. 
Em inércia ou em movimento, eu procurava por encanto. Pelo acalanto da tua essência em contato com a minha. 
E quando eu te vi e você me olhou nos olhos, aqueles planetas de que eu tanto falo, se alinharam. 
E o que aconteceu foi pura reação química vinda de mim e de você.

Mas, afinal, quem é você? 
Você é o amor que eu sinto por nós. 




quarta-feira, janeiro 28, 2015

Ressaca

Eu tenho ressaca de você.
Eu te bebo por toda a noite.
Sem medir as consequências dos meus atos.
Vou bebendo, vou me entorpecendo e vou me entregando. 
Vou me doando e esquecendo que o seu teor é muito forte para mim. 
Vou sumindo em meio aos meus goles e deixando você tomar conta do meu todo. 
Dependendo da quantidade de você, eu perco o controle sobre o meu corpo.
Grito, faço escândalos e passo vergonha.
Te acanho como se não me preocupasse com a imagem que te causo.  
Parte mim tem brilho por você.
Parte de mim, tem ressaca de você.
E essas duas partes de mim, jogam na minha cara que até para tomar um porre eu preciso de você.




quarta-feira, dezembro 17, 2014

Café

Existe a paixão artificial e o café em pó. 
Existe o fogo de palha e o café expresso. 
A paixão que te arrebata e o café passado. 
A paixão que não vale e o café com leite.
A paixão silenciosa e o vapor do café
A paixão que dura e o café de vó. 
A paixão ruim e o café requentado. 
Quanto mais rápido provamos o café, mais rápido nos queimamos.
A paixão queima e dói. 
O café queima e também dói. 
Paixão passada é igual café frio. 
É mais amargo e mais indigesto que muita coisa por aí. 
O que resta depois da dor é amor.
E no café, é a borra.
Há quem diga que se pode ler o futuro na borra de café.
Eu digo que se pode pensar no futuro tomando um café. 
Se pode também, estar apaixonado tomando café.
Apaixonado por ela e pelo café.
A paixão é como o café.
Ca-fé.
Fé.